A ONG Amnistia Internacional lamentou que, com a chegada de Vladimir Putin como Presidente da Rússia em 2000, o país eurasiático tenha implementado um rigoroso sistema de silenciamento e repressão de protestos e manifestações contra o governo, que agora, com a guerra na Ucrânia, parece ter atingido novas alturas.
A organização publicou na quinta-feira um relatório intitulado «Vamos prendê-lo na mesma» no qual assinala que as autoridades russas desenvolveram nos últimos anos um «sofisticado sistema de restrições e duras represálias» para refrear os protestos públicos, incluindo a detenção de profissionais dos media.
Após anos de assédio a sectores críticos e perseguição de jornalistas que deram voz a protestos, com a eclosão da guerra na Ucrânia, a Rússia teve de enfrentar novos apelos a manifestações que resultaram em detenções arbitrárias, uso excessivo da força e pesadas sanções económicas.
«As autoridades russas estão determinadas não só a prevenir a todo o custo e a punir severamente quaisquer protestos, por mais pacíficos que sejam, mas também a minimizar qualquer consciência pública dos mesmos», disse a investigadora russa Natalia Prilutskaya, da Amnistia Internacional, que tem vindo a pôr em evidência a situação no país desde Fevereiro de 2022.
Pouco depois de Putin ter anunciado o início da invasão da vizinha Ucrânia, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas das principais cidades da Rússia, desafiando possíveis multas e prisões, para mostrar o seu descontentamento contra uma decisão que mergulharia o seu país num conflito que teria a comunidade internacional contra eles.
Contudo, apesar da bravura de alguns cidadãos russos, as autoridades não hesitaram em aplicar «as sanções mais duras» contra os participantes nas manifestações, enquanto a polícia «utilizou a força abusiva» contra jornalistas e observadores independentes que tentaram denunciar o que se estava a passar.
Ao mesmo tempo, enquanto Moscovo aumentou as suas exigências aos meios de comunicação social para poder cobrir ao vivo os acontecimentos que ocorrem no país, a polícia, independentemente, chegou ao ponto de exigir aos jornalistas «cartas de acreditação da sua empresa» ou os seus documentos de identidade.
«Juntamente com as duras restrições legais à liberdade de imprensa já impostas pelo Estado, a polícia está cada vez mais a agir arbitrariamente para impedir que jornalistas e outro pessoal da comunicação social informem o público sobre os protestos», disse Prilutskaya.
Além disso, em Março registou-se um aumento dos casos de jornalistas acusados de «divulgação de informações falsas sobre as forças armadas», bem como do trabalho do exército em território estrangeiro, este último um novo artigo recentemente incluído no Código Penal russo.
Portanto, a perseguição de jornalistas já não ocorre apenas quando cobrem manifestações nas ruas, mas também nas próprias salas de imprensa, onde os jornalistas enfrentam uma possível detenção por divulgarem informações que o Kremlin considera «falsas».
JORNALIZADORES OBJECTIVOS Ao abrigo desta legislação, as autoridades russas visaram directamente jornalistas, tais como a publicação independente Vechernie Vedomisti e o seu editor, Guzel Aitukova, que foram multados até 450.000 rublos – mais de 7.120 euros – pela publicação de fotografias de autocolantes anti-guerra.
Outro caso de destaque é o do órgão de comunicação social Dovod, cujo editor-chefe, Kirill Ishutin, mandou revistar a sua casa pela polícia por alegadamente ter sido testemunha numa investigação criminal de vandalismo relacionada com o aparecimento de pinturas de rua anti-guerra numa ponte na cidade de Vladimir.
Na mesma data, as autoridades também invadiram os escritórios do jornal «Pskovskaya Guberniya» para confiscar computadores, telemóveis e outros materiais como parte de um caso relativo ao crime de «desacreditar» as Forças Armadas russas no estrangeiro. Na sequência deste episódio, o jornal anunciou a cessação temporária da sua actividade.
Esta perseguição levou a uma espécie de êxodo de centenas de jornalistas da Rússia. Os meios de comunicação social bem conhecidos como a TV Rain e o jornal ‘Novaya Gazeta’ também foram forçados a suspender as suas actividades. A estação de rádio Ekho Moskvy, conhecida por tecer críticas a Putin, foi também encerrada pelas autoridades.
O CASO NAVALNI, OUTRO EXPONENTE As precárias condições democráticas e de informação na Rússia têm sido destacadas internacionalmente com o início da guerra, embora seja verdade que há anos atrás, com a prisão do líder da oposição Alexei Navalni, esta questão também ganhou notoriedade.
Em Janeiro de 2021, a população russa também saiu à rua para denunciar a prisão de Navalni, que foi condenado à prisão por violação das condições de liberdade condicional que lhe foram impostas por um caso anterior de fraude. Navalni, um crítico do governo de Putin, foi alegadamente envenenado por Moscovo com o agente nervoso Novichok.
Segundo Prilutskaya, as autoridades russas já tinham posto em marcha o seu sistema de repressão na altura para negar à população toda a informação de que necessitavam sobre o assunto, numa tentativa de «erradicar qualquer expressão pública de descontentamento». Estes protestos culminaram na detenção de pelo menos 16 jornalistas, de acordo com o Sindicato dos Jornalistas e Trabalhadores dos Media, que foi suspenso em Setembro de 2022.
Além disso, pelo menos sete membros do Comité Contra a Tortura da ONG foram arbitrariamente detidos enquanto observavam os protestos. Em muitos destes casos, os detidos foram julgados por «participação numa reunião pública não autorizada» e condenados a pelo menos dez dias de detenção administrativa.
«Neste contexto, a Amnistia exortou a comunidade internacional a efectuar um «escrutínio minucioso e eficaz» da situação e a assegurar o respeito pela liberdade de expressão e de informação na Rússia.
«Em tempos sombrios como estes, é essencial estender a mão à problemática sociedade civil e aos meios de comunicação social independentes da Rússia para apoiar aqueles que monitorizam e relatam no país e para que o mundo saiba da sua existência», disse Prilutskaya.
O investigador da AI Rússia disse que não será possível pôr fim aos «terríveis e generalizados abusos» e «agressões contra a Ucrânia» enquanto alguns dos direitos e liberdades fundamentais de que as pessoas devem usufruir continuarem a ser estrangulados dentro do país euro-asiático.